A necessária Revolução no Ensino e Formação em Portugal

Em Maio de 2019, Barack Obama disse num evento em São Paulo que: “A Chave do sucesso é a educação” e acrescentou: “Se um país não tem esse tipo de investimento nas pessoas, ele não será bem sucedido!” Goste-se ou não se goste desta personalidade, será que podemos contrariar estas palavras de Obama? Diria que é muito difícil!

Iniciando a jornada pelo desenvolvimento e investimento no Ensino em Portugal, começamos por um indicador base: a Taxa de Analfabetismo.

A sua evolução tem sido positiva (fonte: pordata). De 1970 a 2011 descemos de 25,7% para 5,2%, década após década continua a baixar e acreditemos que 2021 reduziu novamente; nota relevante que as mulheres tiveram e continuam a ter taxas superiores aos homens apesar de a diferença estar a reduzir a cada 10 anos. No entanto tal demonstra que há uma desigualdade de género no acesso à escola.

De forma estrutural, de 2000 para cá – exceto em 2009/2010 – a despesa pública na Educação normalizou ou até baixou e, em 2018 na União Europeia dos 28, ficámos em 20º lugar quanto à percentagem da despesa pública no Ensino versus PIB.

Consequências? Várias…

Estruturais – Degradação das instalações escolares e seus acessos, a par da falta de investimento no parque tecnológico, tão essencial para responder às novas formas de aprendizagem das novas gerações. Este último ponto ficou bem exposto no período pandémico.

Humanas – Condições precárias para os professores, dificultando tanto a retenção e motivação dos profissionais existentes, como a atração de novos. De salientar a fraca aposta na formação e desenvolvimento dos professores, para lidarem com as novas tecnologias (e inclusive conhecerem novas formas de facilitar o conhecimento ao outro), servindo também como travão expresso na adaptação às renovações legais, tais como as da implementação de estratégias de, primeiramente, inclusão e, mais recentemente, de equidade.

Estas premissas já são suficientes para colocar Portugal numa posição complicada, mas há mais… temos o nosso tradicional Sistema de Ensino! Regulado pelo Ministério da Educação e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o mesmo têm características bem salientes da qual destaco 3:

1) Obrigatório até ao secundário e o ensino superior é facultativo, período em que há uma quase total ausência de exploração de talentos, gostos, interesses (contrariamente ao que verificamos no caso do Ensino na Alemanha, França e países nórdicos, em que as crianças e os jovens são encaminhados à escolha, à experimentação e até a pequenos estágios, desde cedo).

2) Disciplinas com currículos fechados e ministrados de forma similar para todos, exceto os que necessitam de orientação especial, ou seja, alunos com deficiência. A magia da diversidade na captação de conhecimento e informação é engolida pelo padrão;

3) Foco em provas de aferição individuais com um peso tremendo (quase exclusivo) sobre a avaliação dos alunos e atribuição dos fantásticos rankings. Um destino criado sobretudo pela memorização ou arte de cabular (ou as duas).

Os pontos 2 e 3 exponenciam o distanciamento da relação professor / aluno(s), condicionada pela recorrente metodologia expositiva e gestão da partilha de informação por parte da hierarquia superior – o professor. O qual, munido desse estatuto social e abraçando um autoritarismo mais ou menos consciente, não permite grande espaço para o contraditório ao subalterno (aluno). O sistema potencia um papel em que o professor pouco tempo tem para reconhecer a diversidade, seja na forma de aprendizagem mais adequada para o aluno (visual, auditiva, leitura, cinestesia) como no respeito do ritmo da mesma para cada individualidade: sobretudo o cumprimento de um programa fixo, que não permite tempo para explorar as diferentes individualidades na sala de aula.

A avaliação baseada em provas de aferição individual traz ao aluno um foco na memorização de curto prazo e no esquecimento no médio/longo, bem como alimenta uma competitividade não-saudável baseada na conquista/frustração individual que marca a relação professor/aluno, entre colegas e finalmente alimenta (visceralmente) a nossa cultura do medo no erro, porque há penalizações.

Na minha ótica, estas premissas distanciam a maioria de nós das salas de aulas, causando um tremendo desinteresse, sobretudo nos não-adaptados, além de trazerem consequências negativas ao nosso desenvolvimento pessoal de todos e nos distanciar das ditas competências do futuro, que são tão necessárias e requisitadas no mercado de trabalho. Indico as principais e motivos:

1)    Criatividade e iniciativa – este formato pouco prático deixa pouco espaço para pensarmos fora da caixa, aliás somos empurrados constantemente para a caixa. A iniciativa diferenciada é rejeitada, por não ser normal (dentro da norma pré estabelecida).

2)    Trabalho em Equipa – as atividades de maior peso e mais frequentes para o sucesso neste sistema são individuais. Quando há trabalhos coletivos com pouco peso no “ranking”, são desenvolvidos de forma leviana. Estranho, não é?

3)    Liderança e Influência Social – nada disto é trabalhado dentro da sala de aula, só em atividades extracurriculares ou hobbies. Há alguma disciplina sobre Liderança até à Universidade? E, quando se aborda a Liderança, estamos a falar mesmo de liderança ou popularidade, como se vê frequentemente nos grupos de atividades extracurriculares?

4)    Pensamento Crítico – onde é que praticamos a capacidade de identificar problemas?

5)    Aprendizagem Ativa e Estratégias de Aprendizagem – que espaço existe para aprendermos de forma diferente e timings adequados, se está tudo no mesmo molde?

6)    Pensamento Analítico e Inovação – em algumas disciplinas, o pensamento analítico é explorado, mas quando temos espaço a trazer algo diferente?

Até ao 12º ano de escolaridade, nada acima é explorado; depois, quem quiser e conseguir vai para uma Universidade ou Politécnico podendo garantir uma licenciatura em 3 anos, mais um mestrado em 2 anos adicionais ou seguir um curso profissional. Nesta fase da vida académica, o percurso já é deficitário per si no desenvolvimento de competências nucleares, bem como, na perceção da motivação e valor intrínseco de cada um.

Seja no público ou no privado ainda trazemos hábitos deste sistema e, dependendo da universidade e/ou do professor, continuamos focados na prova de aferição individual e num ensino pouco prático, centrado ainda muito na relação nuclear professor, dono do conhecimento, e alunos seguidores ouvintes. A formação em Portugal segue no mesmo barco, de mão dada: um sistema que tem demasiadas regras para corresponder às expectativas de uma entidade reguladora, focada no alinhamento de conteúdos e timings e menos na experiência dos formandos. A relação do formador e formando torna-se fria, distante, pouco colaborativa e desinteressante.

Ao dia de hoje, perto das eleições, temos partidos políticos a discutirem entre si, como um dos temas mais relevantes da nossa Educação: Se a cidadania deve ser uma disciplina ou não? Que vazio doloroso!

Pouco ou nada sobre se vamos incrementar o investimento estrutural e humano, menos ainda sobre uma necessária reforma profunda, mas deveras necessária, para sermos bem sucedidos, como Obama referia.

No meu entender, essa reforma do Sistema do Ensino, passaria por:

1)    Mudança do papel do professor, como um facilitador que encaminha conhecimento e dá espaço e tempo à investigação; indagação aos alunos, potenciando a diversidade e diferentes formas de aprendizagem, ao mesmo tempo que adquire um conhecimento mais profundo daqueles (atualmente conhecida como metodologia pedagógica ativa, de exploração, mas mesmo assim sendo esta aplicada de forma inadequada ou muito pouco utilizada);

2)    Diminuir o número de alunos na sala de aula, até um total de 15, para um acompanhamento mais próximo e maximização das diferentes valências;

3)    Testes e exames com um decréscimo substancial do seu peso na avaliação, cujo impacto e existência servem apenas de barómetro, e um incremento substancial da avaliação dos projetos individuais e coletivos, alinhados num propósito comum e com espaço para a criatividade de quem o faz;

4)    Desconstrução das aulas tradicionais de exposição, passando para diferentes tipos de momentos:

a)  suporte e apoio aos projetos individuais e coletivos em desenvolvimento;

b)  momentos de cocriação em que, perante a mesma matéria estabelecida, os alunos têm de indagar a priori e conjugar os seus conhecimentos a posteriori

c)   momentos de exposição e defesa dos trabalhos desenvolvidos;

d)  exibição de vídeos, casos práticos e reais, jogos e atividades conectadas ao propósito de aprendizagem.

Tudo isto podia tornar a atividade do professor bem diversificada e impactante e os alunos estariam mais presentes e interessados, por fazerem parte real da aprendizagem… deixaria de existir o papel de emissor/recetor e passaria a haver uma colaboração conjunta, com a liberdade de aprenderem uns com os outros e caindo a barreira que os separa. Similar pode – e deve – ser o papel de um facilitador e dos formandos, onde a relação muda a partir do momento em que as medidas acima são implementadas, exceto a 3 que não costuma ser equiparada, no caso da formação profissional ou extrapercurso escolar/académico. Na Be Bolder estamos a abrir caminho para trazer o desconforto a nós e aos outros, para uma nova forma de estar numa formação, em que realmente os nossos formandos estão no centro de tudo e onde, a nós, cabe-nos apenas guiar, abrir caminho… aliviando as tensões provocadas pela dúvida, desconhecimento e medo de errar, despertando a curiosidade pela diversidade e explorando o valor tremendo da inteligência coletiva presente em cada momento.

Como adoro este pequeno país na ponta da Europa, não quero que fiquemos (mais) para trás, destinando-nos a sofrer um futuro educacional e social medíocre, por não investir, não reformar e sobretudo pela sua consequência inerente: não conseguir lidar com um mundo cada vez mais disruptivo. O Ensino e a Formação, na forma e conteúdo, são cruciais para sermos bem-sucedidos, pela sua relevância na nossa capacidade de adaptação e criação de valor. Fica o repto e, já agora, partilho um fantástico exemplo de que a proposta acima é possível: Evangelische Schule Berlin Zentrum (vejam o vídeo ESBZ Escola TEAL em Berlim Alemanha – YouTube). Acreditemos na visão! E casos como a disciplina de Cidadania, já não serão uma discussão, pois o propósito – desenvolvimento de cidadãos – estará presente em todos os momentos do novo sistema de Ensino. Nesta abordagem, o aluno desenvolve naturalmente as desejadas competências do futuro, ao mesmo tempo, que integra de forma consistente os princípios que norteiam uma comunidade tais como segurança psicológica, transparência, autoliderança, respeito pela diversidade, responsabilidade e compromisso por um bem comum.

Pablo

Pablo

cargo do autor

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